sexta-feira, 21 de março de 2014

Half Bad - Entre o Bem e o Mal, Sally Green


Opinião: Esta foi uma leitura surpreendente. Ou inesperada. Ou algo do género. É uma boa sensação. A sinopse tinha-me suscitado curiosidade, por isso tencionava ler o livro de qualquer modo... mas nada na sinopse ou sequer em opiniões que tivesse lido antes do livro me poderiam preparar para o tipo de leitura que tinha à minha espera. É bom quando os autores nos surpreendem desta maneira. Podem pegar numa série de elementos que já vimos noutros lados, e construir uma coisa nova e interessante com eles, cativando assim o leitor.

Half Bad é a história de Nathan, um rapaz que vive numa Inglaterra actual, mas onde uma sociedade de bruxos vive integrada e incógnita. Nesta sociedade, composta exclusivamente por Bruxos Brancos e liderada pelo Conselho de Bruxos Brancos, os Bruxos Negros são perseguidos por serem vistos como perigosos e violentos. O Nathan é um caso raro, filho de uma Bruxa Branca e de um Bruxo Negro, Marcus, o mais perigoso e mais perseguido de todos os Bruxos Negros. E é essa... situação que vai conduzir a narrativa, à medida que o Nathan se aproxima do seu 17º aniversário, altura em que tem de fazer a cerimónia dos dons ou não poderá tornar-se num bruxo.

Devo já avisar que é preciso estômago para ler a narrativa do Nathan. Devido a ser filho de quem é, o rapaz é excluído, mal-tratado, espancado, preso e obrigado a tornar-se num assassino, usado como arma numa guerra fria entre o Conselho de Bruxos Brancos e o pai - no qual o miúdo nem sequer pôs os olhos uma única vez na vida! Devo acrescentar que passei grande parte do livro furiosa com esta sociedade, por usarem e massacrarem um miúdo pelo grandioso crime de, bem, ser filho de quem é.

E é claro que tenho de elogiar a autora por isso. Apresentando-nos uma situação aparentemente a preto-e-branco - com os Bruxos Brancos, vistos como bons, e com os Bruxos Negros, vistos como maus -, acaba por mostrar que há muitas nuances de cinzento no comportamento humano, e que as etiquetas criadas para encaixar os outros são tão limitativas. A dicotomia bem/mal, vista como intrínseca destes grupos, acaba por ser desafiada pelos comportamentos que apresentam.

Acho interessante a opção que a autora tomou em termos narrativos. Em parte da história, a narração é feita na segunda pessoa do singular, o que de certo modo, permite a imersão do leitor na história no Nathan, naquilo que ele está a passar, que não por acaso, é dos momentos mais pesados de todo o livro. Acho que este modo de narração também serve um pouco para mostrar como o Nathan se estaria a tentar afastar mentalmente daquela situação para manter a sua sanidade. É um bom artifício de escrita, e até fiquei com vontade de o ver melhor explorado.

Em termos de personagens, gostei bastante do Nathan como narrador. Tem uma voz bastante pragmática, quase clínica, analisando as coisas como elas são. Tem um sentido de certo e errado muito apurado, sempre ciente das injustiças praticadas contra ele, mas sempre ciente que por ser filho de quem é, as coisas não vão mudar. Acho piada a certos aspectos da sua personalidade, e fascina-me ver como ele reage às coisas. A partir da segunda parte da história, dá por si muito cheio de fúria, sem capacidade para a exteriorizar de forma adequada. E há um aspecto da história que pode servir de metáfora para a própria adolescência - a sensação de alienação, de isolamento que o protagonista enfrenta, combinada com as mudanças que observa acontecer no seu corpo devido à herança de Bruxo Negro.

Gostei de conhecer a família do Nathan. Compunham tanto um bom sistema de suporte (a avó, e o irmão e a irmã), como um antagonista (a irmã Jessica, uma personagem mesmo irritante e arrepiante). A Mercury também me interessou como personagem, pela posição que ocupa entre os Bruxos Negros, e à sua volta juntam-se alguns mistérios e alguns personagens que me intrigaram (incluindo o Gabriel - que pela maneira como o seu nome era pronunciado, me fez pensar que não era bem aquilo que aparenta). O Marcus, apesar de não estar presente fisicamente, é uma presença constante na história, e contudo sabemos tão pouco dele - muito mais é aquilo que é especulado e inventado sobre este personagem.

Em suma, esta foi uma história que me agradou e surpreendeu. Não é para todos os gostos, mas acho que vale a pena dar-lhe uma oportunidade, porque é uma história bem gira e que dá que pensar. Nunca teria pensado no rumo que a autora tomou, mas foi uma boa surpresa, e estou mesmo curiosa acerca do que tem preparado para nós a seguir. Mal passo esperar.

Título original: Half Bad (2014)

Páginas: 320

Editora: Presença

Tradução: Catarina Gândara

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