terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Six of Crows, Leigh Bardugo


Opinião: Este livro tinha tanto que podia correr terrivelmente mal, e tanto que podia correr tremendamente bem, que apesar de eu já ser à partida uma fã da Leigh, estava um pouco nervosa com a noção de o ir ler.

Primeiro porque se passa no mesmo mundo da série anterior dela. É uma ideia que me agrada, ver um escritor explorar um mundo que criou através de várias séries e mundos; o receio é que uma pessoa passe o tempo todo a comparar as várias séries/livros. Pois bem, as boas notícias são que a Leigh consegue escrever uma história completamente nova e fresca, e mesmo assim consegue dar continuidade ao mundo que já tinha criado.

Não vemos propriamente caras que já conhecêssemos (a Nina era aluna da Zoya, que é mencionada de passagem, assim como o são a Genya e a Alina), é tudo novo; e o espaço em que a acção se passa também. Desta vez, o país onde os personagens se movem é Kerch, a cidade é Ketterdam - ambos paralelos óbvios para a Holanda e Amsterdão, tal como Rakva o era para a Rússia.

O cenário conjurado é fascinante. Sim, temos canais e tudo o resto, a fazer jus à comparação das duas cidades, mas o que me atraiu na descrição de Ketterdam é o submundo criminal. Os protagonistas fazem parte de um gang de ladrões, e movem-se entre outros gangs, e entre personagens dos bordéis, e tudo para esta gente é um golpe, e bolas, isso é fantástico de ver, porque não podemos confiar em ninguém.

Em adição, uma parte significativa da história passa-se fora de Kerch, em Fjerda, um país que é o óbvio paralelo para os países escandinavos. Os personagens têm, no enredo, de invadir um local muito específico na capital, Djerholm, e por isso não deu para ver as vistas calmamente, mas aquilo que é descrito sobre a Ice Court é bastante interessante. (A propósito, pontos bónus por a autora tentar usar nomes adequados aos países que emula na história. São difíceis de pronunciar como o raio, mas tornam mais vívida a imersão na história.)

A segunda razão pela qual estava um pouco nervosa para o ler é porque é um livro sobre um grande golpe. O golpe dos golpes. A grande golpada. Eu adoro filmes e livros que metam este tipo de coisa, porque a piada daquilo tudo é ser espectadora, e ser enganada juntamente com o "alvo", e depois descobrir como se faz o truque e ficar bem impressionada pelas reviravoltas que são introduzidas na história.

E, bem, apesar de este ser um grupo de adolescentes que vai tentar fazer o impossível, foi relativamente credível. Uma parte do grupo passou boa parte da vida neste submundo criminal, a afinar certas capacidades que já tinham, e a desenvolver outras, e por isso é bastante mais razoável vê-los num tal empreendimento.

Além disso, gostei bastante de como os golpes se desenrolaram, mostrando as capacidades únicas de cada um, a inteligência e a adaptabilidade do grupo; o primeiro golpe é mais simples, tirar alguém da prisão de Ketterdam, mas complexo o suficiente para satisfazer.

O segundo golpe, infinitamente mais complicado. Vamos vendo os passinhos do plano uns atrás dos outros, mas tantas coisas podem correr mal, e muito frequentemente correm mal, seja por influência externa ou por conflitos internos dos personagens. Alguns obstáculos eram coisas para as quais já estavam preparados; outros, nem por isso, e portanto é impressionante a improvisação e adaptação, mas também a capacidade de seguir em frente. Aquilo que temos à nossa frente é um grupo verdadeiramente extraordinário.

Não posso passar sem falar individualmente sobre os personagens, porque a Leigh faz um trabalho tremendo a escrever em vários POVs e a distingui-los tão bem, a escrever com variedade e diversidade; toda a gente tem uma história de vida, um conjunto de motivos e acontecimentos passados que os colocam neste ponto, e é delicioso acompanhar o desvendar dos seus passados.

A Nina é uma Grisha, de Ravka, que se separou do grupo de Grisha com que estava, e que por, er, razões do enredo, não pode voltar a Ravka, por enquanto. Gostei muito da personalidade dela, bem-humorada, expansiva, confiante, que não se acanha de expressar o seu amor por dormir bem e comer chocolates.

É um bom contraponto ao Matthias, um drüskelle (caçador de bruxas Grisha) originário de Fjerda. Estóico, sério, rígido, e totalmente devotado a caçar Grisha. Até tropeçar na Nina e bem, as coisas correrem muito mal. (Ou muito bem, dependendo do ponto de vista.)

É um artifício inteligente usado pela autora - os personagens já se conhecem, por isso não é preciso desenvolver a relação deles, meramente apresentá-la, e ao passado que os liga; e depois desenvolvê-la a partir daí. O conflito Nina-Matthias parte de serem inimigos naturais (as melhores relações começam sempre a partir daí), mas também de certas complicações do passado. É muito interessante seguir a relação deles por isso, a negociação de encontrarem pontos em comum novamente, e também o não saberem se podem voltar a confiar um no outro.

O Jesper é um pouquinho mais simples, ou talvez deva dizer que é enganadoramente simples, pois também ele tem os seus segredos. O papel dele na narrativa é um pouco ingrato, mais para o fim, mas consigo apreciar o quão à vontade está na sua pele.

Em contraponto, temos o Wylan, o novato do grupo, cujo papel é mais ser quem é do que aquilo que sabe fazer. O que é interessante de ver desenrolar à nossa frente; pensamos que o conflito dele com o pai seria por algo que é sugerido acerca dele (e que gostava de ver confirmado, pelas possibilidades que oferece - a química está lá), mas é por algo inteiramente diferente, e bastante chocante, no sentido em que não acredito que aquele homem horrendo está a gerir a situação desta maneira.

A Inej é conhecida como a Wraith; é capaz de entrar e sair de locais sem darem conta dela, é silenciosa, discreta, e trepa paredes e edifícios como ninguém. É originária de Ravka, mas a descrição que é dada dela e do seu povo sugere-me que faz parte de um paralelo do povo cigano. Gostaria de conhecer mais o seu passado e voltar a ver os pais dela. Gosto de ver como é pragmática, mas ao mesmo tempo algo supersticiosa, e como tenta incitar e ver o Kaz como melhor do que é.

E por fim o Kaz, o líder deste bando de desajustados, génio criminal residente e criador do golpe, sem absolutamente escrúpulos nenhuns, cínico e desiludido com a humanidade (é tão giro vê-lo com o Matthias, que é totalmente o oposto, e com a Inej, que se esforça para ver mais nele). É curioso ver a perspectiva que ele tem de si mesmo, porque as circunstâncias o obrigaram a ser duro e a não ter nada como sagrado; e a sua "história de origem" é muito interessante, porque explica tão bem a sua personalidade, e a maneira como ele funciona, até nas pequenas coisas.

A parte mais interessante da personalidade do Kaz é ver quando fica subitamente sem pé, e tem de desenvencilhar-se. Muitas vezes, adapta-se brilhantemente, ou já estava preparado para a reviravolta. Ocasionalmente, é apanhado de surpresa, e essa vulnerabilidade é desarmante (ele não estava nada a espera de ser apanhado em falso no fim, ah isso não estava, e lixou-se à grande), especialmente em alguém que está determinado a manter uma fachada tão dura.

E pronto, o fim é ligeiramente óbvio, porque é claro que as coisas lhes tinham que explodir na cara, mas é muito excitante, pela promessa do incerto. Sim, este foi um livro sobre um golpe, mas e agora? O que fazer quando tudo parece perdido? Seja o que for, tenho confiança que vai ser tão bom.

O grupo de personagens que se reuniu é carismático e funciona bem em conjunto; e confio na autora para não ir pelos caminhos mais óbvios que se apresentam, o que me deixa mais animada e interessada. Setembro ainda está muito longe, mas vou contar cada segundo até ao próximo livro.

Páginas: 480

Editora: Feiwel & Friends (MacMillan)

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