domingo, 10 de abril de 2016

The Love that Split the World, Emily Henry


Opinião: Este é um livro que se esgueira de mansinho. A sinopse foi bem escrita, de certo modo, porque não dá para perceber bem o que temos nas mãos - algo que normalmente eu detestaria, mas aqui, é muito adequado. Saber demais estragaria as surpresas que contém, e por isso esgueira-se de mansinho, revelando-se aos poucos, e acaba por ficar entranhado, ao ponto de o final, ainda que em aberto, seja inteiramente satisfatório e recompensador.

A Natalie Cleary é uma jovem que foi adoptada muito nova, praticamente depois de nascer. É Nativa Americana, adoptada por uma família branca. Está a terminar a escola secundária, e vai para a universidade de Brown no Outono. Mal pode esperar, sair da cidade de Union, mudar o cenário, encontrar-se a si própria.

E é aí que a Emily Henry escreve genialmente. A caracterização psicológica da Natalie é fantástica. A Natalie é inteligente, introspectiva. Comete erros, é insegura, debate-se com os dois mundos a que pertence. Ama a família, mas por vezes sente-se como não pertencendo, como se os sinais exteriores de que não é igual à sua família a destacassem, e não no bom sentido.

E isto está no centro do enredo, é aquilo que guia as acções da Natalie, e a autora não trata o leitor como burro, é uma caracterização complexa, com camadas, encaixada no seu lugar na família, entre os que a amam, e na sua herança e a relação que tem com ela, curiosa mas temerosa de procurar a sua mãe biológica e descobrir que não era desejada.

Isto é o que faz este livro ter um tom mais de história contemporânea. O quão enraizado está na vida real. Contudo, tem elementos de ficção científica. The Love that Split the World é um título que é quase literal. Há universos paralelos, e tecnicamente viagens no tempo (há cronologias não lineares, o que justifica a comparação a A Mulher do Viajante do Tempo), e a maneira como tudo se revela é deliciosa. É relativamente fácil de adivinhar previamente as reviravoltas, mas a maneira como são reveladas encaixa bem na história, dão-se no momento adequado para fazer avançar o enredo, portanto não me desapontaram.

Parte da viagem de descoberta passa por um romance. É um pouco repentino, um pouco rápido, mas a maneira como acontece, a maneira como as circunstâncias o encaixam acabam por torná-lo suficientemente credível. O Beau é fofinho, à sua maneira, e consigo perceber porque a Natalie se encanta por ele, destino à parte. Tem problemas, mas é gentil e metido consigo. Passou a vida a ver algo inexplicável a acontecer, e não enlouqueceu, tornando-o resistente. A comparação a Friday Night Lights fez-me pensar nele como um Tim Riggins, até porque as suas biografias têm pontos em comum.

Gostei mesmo de ver a Natalie a investigar, investida em perceber o mistério da sua Grandmother, o ser que a visitou durante anos, a contar-lhe histórias. Gostei de a ver trabalhar com a Alice, e gostei de ver que a narrativa ali por bocados nos faz questionar se isto é um caso sobrenatural ou psicológico, questionar se tudo está na cabeça da Natalie. Como disse, a caracterização está soberba, a parte psicológica incluída.

O elenco de personagens secundários é fantástico, cativante, muito bem caracterizado apenas com umas pinceladas. Ninguém é herói ou vilão, apenas pessoas a viver a sua vida. Adorei a Megan e a relação de melhores amigas que ela e a Natalie têm. Gostei de conhecer o Matt, o ex-namorado, de perceber o quão complicado ainda é com eles, e de quão auto-conhecimento revela o facto da Natalie ter acabado com ele quando o fez.

Gostei imenso dos irmãos da Natalie, e os vislumbres que temos deles. Quem me dera conhecê-los melhor. Gostei dos pais da Natalie, preocupados, mas confiantes na filha e na sua capacidade de tomar decisões. O pai da Natalie era especialmente perceptivo, e a mãe talvez um bocadinho intensa, mas preocupada.

Quanto ao final, e não quero revelar demais... o final foi intenso. A Natalie descobre uma série de coisas sobre si própria, e sobre o que se estava a passar, e tem de tomar algumas decisões difíceis. Percebo porque é que ela sentiu que não tinha alternativa, apesar de não concordar exactamente, mas gosto que ela tenha tentado ainda assim tomar um caminho diferente, mudar as coisas.

No fim de contas agiu como eu teria agido, se estivesse no lugar dela, e assim acredito que tomou a melhor opção, a que lhe poderia dar o melhor final. A autora deixa tudo muito em aberto, deixa-nos decidir o que realmente aconteceu, mas a maneira como o escreve aponta para um desfecho em particular, e é um que me agrada. Há alguma espiritualidade salpicada pela narrativa, e isso tem uma relação como modo como o final se desenrola e é relatado, e gosto disso, é adequado.

A única coisa que me inquieta no final é eu não saber o depois. Como as coisas se desenrolam agora, como a natureza de ficção científica e fantasia da história guia esse depois. Quero muito saber sobre o depois, como tudo (ou nada) muda. O fim aberto é extremamente adequado, a vida real é assim, não fecha capítulos e histórias de forma bonitinha. Mas mata-me não ter o definitivo nas mãos, apenas o nim, o talvez, a possibilidade infinita, sem fim.

Deixa-me mesmo inquieta. E mesmo assim, adorei a leitura, a história encantou-me, a maneira como se desenrola é linda, é complexa, é inteligente, e a Emily Henry escreve bem, cativou-me. Gostava muito de ler o que quer que ela tenha na manga a seguir.

Páginas: 400

Editora: Razorbill (Penguin Random House)

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