sábado, 30 de julho de 2016

A Rainha de Tearling, Erika Johansen


Opinião: Este livro é deveras estranho. Imaginemos uma sociedade com pinta de semi-distópica. Mas que também tem o ar de fantasia épica medieval. Mas que na verdade é uma história pós-apocalíptica com elementos de história alternativa e intriga histórica. Confuso? Oh, nem queiram saber. E ainda assim, dei por mim cativada.

Portanto, a história passa-se em Tearling, que é uma terra fundada depois de algum tipo de apocalipse que acabou com o mundo como o conhecemos, por um conjunto de pessoas muito parecidas com os peregrinos e colonos da América. A ciência regrediu um bocado, mas ainda sobram restos de algum conhecimento avançado.

No meio disto tudo, Tearling é um país pequenito, entrincheirado no meio de países mais poderosos, cobiçado pelo grande poderio que é Mortmesne. A rainha morreu há década e meia, deixando um vácuo no poder ocupado pelo irmão, como regente. A sua única herdeira, desaparecida, resguardada, escondida até atingir a maioridade e poder ocupar o seu trono.

E é aqui que aterra a Kelsea, a protagonista do livro. Ela é a herdeira do trono, e passou todos estes anos a preparar-se para assumi-lo, mas cedo sai do casulo e percebe que a sua educação teve graves lacunas. Atirada para uma situação política interna e externa complicada, tem de lidar com os vários jogadores enquanto tenta manter-se fiel a si própria.

Diverti-me tanto com a Kelsea. Ela é tão cheia de dúvidas, sobre o que é capaz de fazer, sobre se é adequada para o lugar, sobre a sua aparência. É... refrescante ela não virar uma Mary Sue super boa e super capaz mal caia de traseiro no trono. Acho que passava bem era sem tanta insegurança sobre a aparência dela. Porque isso é realista para alguém da idade dela, e até certo ponto gosto de ler, mas a depois a a autora insiste demasiadas vezes até enjoar. Além disso, a insegurança da Kelsea dá-lhe para ser algo má para com a aparência de outras mulheres, e isso não era de todo necessário a autora introduzir na sua caracterização.

E mais, a Kelsea é tão inerentemente boa, crente na justiça. Vê algo que acha que está mal e acaba com isso, que se danem as consequências. Prova pela primeira vez o poder que tem e lá vai ela, a acabar com injustiças a torto e a direito. Gosto que ela veja que o lugar que ocupa lhe permite fazer muito bem, e que isso a faça aspirar a tentar melhorar o estado da sociedade Tearling.

É claro que ela comete erros, e não sabe algumas coisas, e mete-se em sarilhos. Mas caramba, a miúda tem fibra. A cena da coroação dela é trepidante. Ela ali a esvair-se em sangue, e a dizer a toda a gente para continuar, que não sai dali sem uma coroa na cabeça, nem que tenha de sacar uma a uma súbdita. (É coroada com a tiara duma nobre num momento hilariante.)

Mais dois ou três pontos fortes se destacam. O elenco, primeiro, porque adorei descobrir os vários tipos de personagens que rodeiam a Kelsea, e fiquei a gostar da caracterização de muitos. Achei tão engraçado vê-la sempre rodeada de uma série de guardas, que vão lentamente ganhando respeito por ela, para além de lealdade para com o trono. É difícil, porque ela é a monarca, mas a dinâmica de géneros leva sempre a que uma mulher tenha mais dificuldade em se fazer ouvir e impor, o que se vê na parte final do livro, quando ela os tenta convencer da missão de salvamento.

O enredo, sempre cheio de reviravoltas e trocas e baldrocas. Não há um momento de descanso para a pobre protagonista. E o mundo, porque o worldbuilding deixou-me muito intrigada. Não é revelado muito, mas toda eu comicho de perguntas sobre o que tenho à frente; a autora conseguia deixar-me assim tão envolvida.

É claro que se nota que isto é um primeiro livro. Há algumas coisas que a autora tem de trabalhar. Certos pontos do enredo e dos personagens podiam ser mais afinados; a Rainha Vermelha aparece por ali só para enfeitar, e não é uma ameaça consistente ao longo do livro, os momentos a ela dedicados não servem para avançar a personagem.

O Rapina é outra coisa que eu dispensava. Não faço ideia de qual é o objectivo dele na narrativa, porque raios a autora o criou. A Kelsea fica rapidamente obcecada com ele, mas eles passam tão pouco tempo juntos, e sem química, que não percebo donde aquilo vem. Além disso, ele tem alguns elementos um bocadinho... estranhos, e não me hão de convencer que é material para par romântico. (Muito mais fazia sentido a Kelsea com o Pen, acho eu...)

Há certas coisas nas motivações, no correr do enredo, que podia fluir melhor, que podia soar melhor. É coisa que acho que pode ser trabalhada pela autora. Porque por outro lado, ela escreve com alguma sensibilidade e intuição, o que me agrada.

E pronto, fico-me por aqui. Quero tanto saber mais sobre os mistérios da narrativa, o pai da Kelsea (às tantas é o Moca... não me admirava nada), a regência da mãe dela e como isso leva a que as pessoas não lhe falem dela como deviam (a Kelsea precisava de estar melhor preparada), como é que as coisas ficaram assim, neste mundo... estou tão curiosa.

Título original: The Queen of the Tearling (2014)

Páginas: 400

Editora: Presença

Tradução: Miguel Romeira

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