segunda-feira, 18 de julho de 2016

Viagem à Procura de Mim, David Arnold


Opinião: Não precisei de muitas páginas lidas para perceber duas coisas: uma, eu e a Mim, e eu e o David Arnold? Não íamos ser os melhores amigos. Duas, detesto aquelas comparações da caca coladas nas capas, contudo neste caso, a comparação com o John Green é certeira, e não o digo de forma lisonjeira para o autor deste livro.

Sobre a primeira conclusão: eu gosto muito de personagens ruins. Eu adoro quando os personagens são maus, e fazem coisas horríveis. Porque mesmo quando eles são assim, desde que o autor seja bom na caracterização e em manter-me envolvida, eu estou ali, com o personagem, a viver o que ele vive, mesmo que não fizesse o que ele/ela faz.

Eu preciso de respeitar esse personagem, e para isso acontecer, a caracterização tem de ser boa. Minimamente boa, para me fazer compreender porque age assim. A caracterização tem de fazer sentido. Não tenho de gostar, mas tem de fazer sentido.

A Mim, no entanto... não parece uma pessoa real. Parece apenas um boneco a quem as coisas acontecem. Não tem personalidade (e não, atribuir-lhe pequenas idiossincrasias estranhas e fantásticas e únicas não conta), não tem um pensamento próprio (não, David, usares a personagem para despejar os teus pensamentos sobre o assunto não conta, tens de me fazer acreditar que ela pensa assim), tudo o que ela faz parece mandatado pelo autor, como se ela fosse uma marioneta. Não como uma pessoa de verdade.

Além disso, a Mim é horrível. E o problema dela não é que tem uma doença mental, ou que tem a maior crise de adolescente da história. Com isso eu podia lidar bem. É por isso que leio tanta coisa no género YA, divirto-me a ler sobre esta época turbulenta das nossas vidas. Não, a Mim é simplesmente estúpida. E isto é um insulto para os estúpidos. Porque é muito, muito pior. Ela não é ignorante, porque esses podem aprender. Não, ela faz burrices só porque sim.

Temos aquela vez em que conta que olhou para um eclipse porque sim, porque os professores lhe disseram que não devia fazer. Ela tinha 14 anos. Eu esperaria este tipo de comportamento dum puto de, sei lá, 5, 10 anos? Dum adolescente não. Dou-lhes mais crédito que isso. Oh, os adolescentes adoram contrariar os que os rodeiam. Mas não iam fazer algo tão parvo que à partida deviam saber que lhes ia fazer mal.

Ou temos aquela em que ela joga cartas de papel para uma sanita de uma casa de banho de autocarro, e puxa o autoclismo. E aquilo explode em... merda. Até chorei com esta. Parece senso comum, não é, não fazê-lo? Aparentemente, é o tipo de coisa que o autor acha que um adolescente faria. (E não me ponham a falar da birra enorme que ela faz e que a coloca nesta viagem. Sou capaz de estar aqui toda a noite.)

E sim, é por este género de coisas que eu não respeito a Mim, ou o David Arnold. Os adolescentes podem fazer muitas asneiras, mas não são seres descontrolados e desmiolados e com falta de senso comum. Que o autor me tente convencer do contrário é que me choca. Ugh.

Dedicando-me agora à minha segunda conclusão sobre o livro? A sério, pá. O John Green aparece e escreve uns livros e vende uns livros, e de repente toda a gente acha que tem de escrever como ele e criar histórias como as dele.

Sim, as histórias do John Green são ligeiramente pretensiosas e têm personagens preciosos e únicos e que soam por vezes a alguém do dobro da idade deles. Mas isso é mais credível para mim (ei, adolescência não é antónimo de maturidade), e além disso, emocionalmente ele acerta nas notas certas (nunca me esquecerei da cena de luto do À Procura de Alaska, com um ginásio cheio de gente de 15-18 anos a enlouquecer... ou a maneira como ele me fez compreender a posição dos pais da Hazel no A Culpa é das Estrelas).

O problema é que depois aparecem-me estes John Green-wannabes. Não chega criar adolescentes com uma crise que parece de meia-idade, com problemas e visões únicas (se ainda não deu para perceber, eu uso a palavra "único" num sentido pejorativo nesta opinião) do mundo, e com opiniões mais completas sobre certas coisas que gente com o dobro da idade deles.

Lamento muito, mas para um livro ser credível, tem de ter emoção. Tem de conseguir cativar a leitora deste lado, fazer-me relacionar com as peripécias que estão a acontecer. Não pode ter uma protagonista que parece uma marioneta. Não pode ser bi-dimensional. Não pode ser uma plataforma para o autor despejar o que pensa e acha de certos assuntos.

Porque foi isso que eu senti com o livro. Que a história estava a ser contada não porque precisava de ser contada, mas porque era um veículo para o autor deitar cá para fora certas coisas, exorcizá-las. Pode fazer dele um livro, mas não um livro publicável.

Senti que o enredo estava a correr só porque sim. Porque o autor precisava que esta coisa A acontecesse à Mim, e depois esta coisa B, e depois mais a C... parecia tudo uma questão de conveniência, um desenho para colorir já com indicação das cores a meter em cada espaço, sem o autor se dar liberdade para pintar fora do traço, escolher as cores que queria.

Parecia que estava a escrever porque achava que era o que ia vender. Parecia que estava a seguir o "modelo Green", em vez de criar e escrever o seu próprio modelo. A certa altura a Mim conhece um miúdo com trissomia 21, e ele era tão adorável e doce... mas parecia tanto um plot device. Uma coisa ali metida para fazer avançar a narrativa, e mostrar quão fixe é a Mim. Parece-me errado usá-lo desta maneira.

E por isso, a narrativa (e os personagens) soou tão estéril e artificial. Sem vida. Não conseguiu envolver-me, não conseguiu fazer-me crer nos personagens, viver a sua vida por um instante. Não conseguiu fazer-me entrar nela própria, viver as suas emoções e reviravoltas. Um bom autor teria conseguido fazê-lo. Depois disto, não acredito que o David Arnold seja um bom autor.

Ou um bom autor para mim, suponho. Tanta gente gostou, e por isso acredito que vá encontrar mais leitores por aí, incluíndo cá em Portugal. Mas comigo não contem mais para me meter em buracos destes. (Oh, quem estou a tentar enganar? Eu acabarei por me voltar a meter nestes buracos, nem que seja porque fico contente ao ver as editoras a publicar este tipo de coisas. Mas podem crer que não fico contente com este exemplo em particular, ou com o tempo e dinheiro que gastei nele.)

P.S.: e eu que até gostava do título em português, porque tem um trocadilho com a alcunha da protagonista. E a capa também é muito gira. É claro que não ter achado grande coisa do conteúdo borra-me a pintura toda...

Título original: Mosquitoland (2015)

Páginas: 272

Editora: Topseller

Tradução: Susana Serrão

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