segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Este mês em leituras: Outubro 2016

Ah, Outubro, Outubro... andei a fazer uns horários estranhos de trabalho, que foram algo repetitivos e me deixaram pouco tempo para opinar. Agora no fim do mês bem queria recuperar o atraso nas opiniões, mas o próximo a opinar é o The Midnight Star e os bons livros são sempre os mais difíceis de opinar.

Livros lidos


Opiniões no blogue


Os livros que marcaram o mês

  • 9 de Novembro, Colleen Hoover - depois de há um par de meses ter batido no ceguinho até mais não, isto é, queixado-me de tudo e mais alguma coisa que me desagradava no livro da autora que tinha acabado de ler, e nos livros dela... eis que vem um outro dela que me faz gostar dele quase por inteiro - o que é desconcertante - esta autora parece ser por altos e baixos comigo;
  • O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, Ransom Riggs - para um livro tão conhecido e que até deu em filme, esperava algo... mais - e que fosse menos sensaborão, já agora;
  • Crooked Kingdom, Leigh Bardugo - ai meus ricos meninos, a Leigh é uma má, uma torturadora... conseguiu fazer-me adorar seguir os seis protagonistas da duologia, e amar cada minuto da leitura - sou fã de histórias com uma "golpada";
  • The Midnight Star, Marie Lu - um fim de uma trilogia, algo inesperado no rumo que tomou, típico da Marie, na verdade, mas muito interessante... e sobretudo, com um fim melancólico, que me fez pensar na anterior trilogia dela;
  • Picada Mortal, Rex Stout - quando era mais nova andei a cirandar pela obra do autor e a ler algumas das aventuras que escreveu com o par detetivesco Nero Wolfe e Archie Goodwin... foi bom matar saudades, são personagens cativantes e o escritor tem uma maneira curiosa de desenvolver o enredo;
  • Onde Estás, Audrey?, Sophie Kinsella - li alguns livros da Sophie sobre a Shopaholic, mas cedo enjoei de tanto drama com a Becky nessa série... fiquei agradavelmente surpreendida com o retrato mais nuanceado e credível deste livro, sobre uma adolescente com ansiedade e depressão devido a um episódio de bullying no seu passado.

Outras coisas no blogue

  • Hmmm, nada, outra vez? I sense a trend here...

Aquisições

Três aquisições em português, todas adquiridas com desconto em cartão. (A Sophie Kinsella, a Cynthia Hand, e o Rex Stout.) Em inglês, os livros de Avalon High para o meu desafio Meg Cabot. Já achava que não ia conseguir lê-los em Outubro, tendo em conta que o primeiro manga levou horrores a chegar, já estava pronta a dá-lo como perdido... chegou na sexta, só para me torturar. E eu para me vingar, li tudo. (Era para deixar para Novembro os volumes 2 e 3 do manga.)

De resto, basicamente autores e séries que sigo. (O Gemina, o Crooked Kingdom, o The Midnight Star.) No caso do Between the Lives, dei-me conta este mês que a Jessica já tem mais uma série a sair nos EUA, e cheguei à conclusão que não me quero atrasar nos livros dela que forem sendo lançados, já que gosto muito da autora.

No caso do Every Move, tenho andado a agonizar por causa dele há uns meses. Tenho os outros dois da autora na versão americana, em capa dura, mas descobri que a editora pondera não publicar o terceiro (alguém anda a ver se imita as editoras portuguesas), por as vendas dos outros dois não serem as esperadas. (Culpa inteiramente deles. Os livros já tinham saído na Austrália, podiam bem ter saído nos EUA com intervalos menores... assim com o longo intervalo de um ano entre livros, o resultado é que os fãs foram comprar a edição australiana para continuar a ler.)

A piada da coisa é que eu quando descobri isto andei louca à procura do e-book para comprar, para não ter a colecção em edições diferentes na estante... mas não havia e-book em lado nenhum. Como é possível? Eu pronta a atirar-lhes o meu dinheiro para cima e este pessoal parece que me quer é empurrar para sacar o livro de forma menos legítima.

As colecções de BD do mês. Colecção Graphic Novels da Marvel, e uma nova, a Sandman, pelo jornal Público e pela Levoir. Os livros em cima, dos contos da Temas e Debates/Círculo de Leitores, até adquiri em Setembro, mas tinha-me esquecido de os adicionar no mês passado a este post. Encontrei os livros a 5€ cada na Fnac. Ainda estão a esse preço, pelo menos no site.

Fora isso, um livro que me pareceu giro e era barato, sobre divulgação científica, e um livro que é uma espécie de catálogo/companion a uma exposição sobre BD no Reino Unido. Já o tinha tido debaixo de olho, e uma promoção do Book Depository fez-me aproveitar.

A ler brevemente

Vou ler a colecção Graphic Novels da Marvel, e quero muito ler estes quatro livros que estão deitados. São de autores que aprecio e juntei-os à minha estante porque estou muito interessada em lhes pegar. Além disso, espero receber durante o mês o Heartless da Marissa Meyer. Estou tremendamente curiosa acerca do que ela vai fazer aqui. Provavelmente não vou ler nada para o desafio Meg Cabot, já li dela em Outubro o que tencionava ler em Novembro. Mais tempo fica para outros livros que queira ler.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Curtas BD: Dog Mendonça e PizzaBoy

Filipe Melo, Juan Cavia, Santiago Villa

Ah, diria que a este ponto estes livros deviam ser indispensáveis em qualquer estante. (Portuguesa, pelo menos. Mas world domination também não era mau.) Uma série que começou quase por acidente, sendo que originalmente a história do primeiro volume foi concebida como o argumento de um filme. Apercebendo-se que em Portugal não é propriamente possível criar filmes de pendor paranormal ao nível do que se vê lá por fora, o argumentista Filipe Melo virou-se para a banda desenhada, aliando o trabalho no traço de Juan Cavia com a cor de Santiago Villa, dois argentinos. O que ainda é mais interessante tendo em conta que a história tem um tom tão... português.

E não digo isso no mau sentido. Digo porque a acção se passa em Portugal, o que é tão refrescante. (Uma das taglines dos livros era algo do género "o destino do mundo vai ser decidido em Lisboa".) Ver(ler) uma(s) história(s) de acção, terror e paranormal no nosso país não é muito comum, mas é muito bem vindo.

Digo-o também porque apesar de nunca terem vindo a Portugal antes da criação do primeiro livro, os dois argentinos criaram em desenho uma fantástica Lisboa atmosférica, muito impressionante e realista na medida do possível (afinal é uma história com zombies). Adorei ver retratadas as ruas características de Lisboa, bem como sítios como o Marquês de Pombal, a Ponte 25 de Abril, ou até o Centro Comercial Colombo, que é destruído numa certa altura, ou a Assembleia da República...

Digo-o ainda porque adoro o tom simplesmente português da narrativa e dos acontecimentos. O Pizzaboy e o seu nome (Eurico), o quão azarado e cronicamente atrasado é, as expressões típicas (ainda me estou a rir duma referência a fazer "um bicho de sete cabeças" no segundo volume, o do Apocalipse, e em linha com este último, aparecer literalmente... um bicho de sete cabeças) - isto é o tipo de coisa que traduzido não tinha piada nenhuma. Que tradução é que se pode fazer duma referência ao Inspector Max? O livro capta tão bem referências da cultura popular portuguesa, é genial.

E as piadas? São lançadas em todas as direcções, à burocracia (particularmente a Segurança Social e à fuga complexa que o Dog faz) e ao governo (o terceiro volume é particularmente interessante, pois é desenhado o primeiro-ministro da altura, e acontece-lhe uma coisa que imagino que muitos portugueses terão imaginado também), à publicidade crónica (os contos fazem umas piadinhas giras)... o segundo livro nem se esquiva a brincar um bocadinho com o terceiro segredo de Fátima e com a Nossa Senhora de Fátima.

O sentido de humor é realmente abundante e de encontro ao meu gosto. A forma demoníaca do Pazuul? Tão engraçada. E pronto, há uma certa atmosfera evocada que é claramente uma homenagem ao gosto autoral por certo tipo de filmes de horror... não estou assim tão familiarizada com eles, provavelmente, mas dá para apanhar umas referências, e gosto do tom, por isso achei isso cativante.

O que também é interessante é ler os livros e ver uma certa evolução dos autores ao longo deles. A história é fantástica, a arte cinco estrelas, ninguém lhes tira isso, mas no primeiro livro e talvez um pouco no segundo se note uma certa infamiliaridade com a BD, com a maneira como se conta a narrativa neste formato, como o enredo evolui, como se apresentam as coisas visualmente. O que não estraga nada a coisa, mas dá para ver o salto na maneira como a história é apresentada.

O terceiro volume nesse aspecto é bem mais completo e complexo, por exemplo. Consegue combinar a acção com um tom intimista e reminiscente, evocando o passado dos protagonistas e as suas aventuras, como forma de lhes terminar as aventuras. (Gosto bastante de ver o Eurico já mais velho, é muito interessante ver um tipo que já se estabeleceu voltar às loucuras de juventude.)

No meio disto tudo acho que tenho pena é que o quarto livro, o dos contos, seja tão curtinho. Reúne 4 contos de 8 páginas que foram escritos para a Dark Horse, e é muito divertido ver a origem do Dog e ver como ele lidou com o monstro de Loch Ness... mas sabe a pouco, raios. Até seria divertido ler mais mini-contos do género.

Ah, e agora já estou com saudades de ler isto outra vez. Suspeito que são mesmo livros merecedores de releituras, porque acredito que me dêem o mesmo gozo a ler, que sejam igualmente divertidos em releituras, e que não percam a piada. São uma pequena estrela cadente que iluminou por um bocadinho o panorama editorial português... é pena que não apareçam pérolas destas mais vezes.

domingo, 23 de outubro de 2016

Crooked Kingdom, Leigh Bardugo


Opinião: Ahhh não acredito que me fiz isto a mim própria, e tenho de opinar dois livros extraordinários um atrás do outro. Primeiro o Empire of Storms, agora o Crooked Kingdom. Cada um me apaixonou e torturou à sua maneira, e por isso foram, cada um à sua maneira, leituras emocionantes, e acredito que opiná-los também o será.

Estou tão orgulhosa da Leigh, porque tenho acompanhado a sua escrita desde o primeiro livro, e tem tido uma evolução fantástica ao longo dos anos. De cair o queixo. Alguém que comece a ler o Shadow and Bone não saberá a complexidade que este último livro dela tem. Tanto em termos de enredo, como em personagens e a riqueza de caracterização que lhes imprime - e a Leigh gere qualquer coisa como seis POVs ao longo do livro, mais o POV ocasional extra de um ou outro personagem.

Crooked Kingdom começa apenas uns dias a seguir ao primeiro livro da duologia, Six of Crows. Neste último os seis protagonistas levaram a cabo um golpe dificílimo, mas a recompensa devida foi-lhes subtraída, e uma traição destas não se esquece facilmente. Especialmente quando as vítimas da mesma foram este grupo de jovens extraordinários.

As surpresas, no entanto, não param de vir. Primeiro porque uma pessoa esperaria que um autor normal usaria este livro para resolver a questão levantada no livro anterior; mas a Leigh trabalha num nível bastante à frente. Não só esse problema é resolvido para aí no primeiro terço do livro; não, a fasquia é elevada para além dele, os problemas continuam a empilhar-se ao longo da narrativa, e a ambição dos Crows leva-os a tentar dar um novo significado à expressão "a vingança serve-se fria". (Eh. E bem condimentada.)

Depois porque esta duologia é uma espécie de carta de amor a qualquer livro ou filme que meta uma golpada. Credo, a complexidade dos planos deste pessoal!... É impressionante os esquemas em cima de esquemas preparados pelo Kaz, o "cérebro" do grupo, as contingências preparadas... mesmo quando os planos vão para o Inferno porque tudo correu mal, eles recuperam e aplicam-se a executar outra coisa ainda mais complexa e ambiciosa.

O melhor de tudo é ver as coisas desenrolarem-se, roer as unhas a pensar que está tudo a correr mal, mas estar bastante convicta que as peças vão encaixar e resolver-se tudo duma maneira linda. (E complicada. E retorcida. Mesmo à moda do Kaz.) E eu termino babada e impressionada com a maneira como as coisas realmente se desenrolam.

É claro que uma parte importante, gigante mesmo, de eu gostar destes livros é os magníficos personagens e a genial caracterização que a Leigh faz deles. Tendo de gerir tanta gente, é incrível que ela lhes dê personalidades e passados tão detalhados e cativantes. Ainda melhor, ela consegue pôr-me a torcer por todos! Estão a modos que todos emparejados, e é a coisa mais adorável de sempre.

Nina e Matthias: ahhh que engraçados que eles são os dois juntos. A Nina é bastante confiante na sua pele, apesar das suas capacidades estarem a mudar inesperadamente, e adora meter-se com o Matthias e flirtar até o fazer corar. É tão giro. Ele é todo estóico e vem duma sociedade mais conservadora, e quase que cai para o lado com isso. Além disso, apreciei a personalidade dele mais honesta que os outros Crows. É a bússola moral deles, e a sua coragem retira-os de situações complicadas. Já a Nina, é um bom contraponto a ele, inventiva e adaptável, debatendo-se com um novo desafio, mas retirando conforto dos amigos.

Jasper e Wylan: outros bastante fofos de acompanhar. O Jasper também se diverte a dizer coisas para fazer corar o Wylan, por isso é muito giro de ver. O Jasper tem um aprofundar da sua personalidade aqui, percebemos porque é que ele "funciona" assim, conhecemos o pai e o seu passado e entendemos a sua irrequietude e leveza. Não quer dizer falta de conteúdo, apenas que é melhor a esconder os seus problemas. E o Wylan, pobrezinho, debate-se com a sua identidade não ser exactamente a sua identidade, e pior, com descobrir a extensão da ruindade do pai, algo que ninguém merece.

Kaz e Inej: ahhh estes levam o bolo. A Inej é tremendamente corajosa e capaz, mas tem um lado compassivo e doce que faz uma combinação explosiva. Ela passou por muito, mas nunca deixou que isso destruísse esse seu lado. Já o Kaz pegou nos momentos menos bons que passou e usou isso para forjar alguém mais duro, mais cruel, mais retorcido e mais forte apesar das suas desvantagens. De certo modo são opostos, mas funcionam tão bem juntos. Há uma cena deles que a Leigh escreveu extraordinariamente, porque aquilo que passaram significa que a intimidade é uma coisa difícil para eles, mas que a abordam de formas diferentes. Intenso e emocional e tão verdadeiro. Orgulha-me ver o Kaz, tão frio e calculista, fazer certos pequenos gestos de bondade. Significa muito vindo dele.

O que é que eu posso mais dizer? Ah, tenho uma coisa. vemos gente da outra trilogia, e a minha excitação não conheceu limites. Foi tão bom ver a Genya e a Zoya, e melhor, o Sturmhond! A casa foi abaixo com a animação. Eles acabam por não ter papéis assim tão pequenos como isso, porque o conflito principal da duologia mete algo que pode vir a ser importante para os Grisha, e assim claro que eles tinham de estar presentes. (Melhor foi a Nina quase reconhecer o Sturm: "eu conheço este tipo... quase que parece o... bah, não pode ser". Ehehehe.)

Ok, aquele final? Estranhamente, lembrou-me o final da trilogia. Não nos pormenores, mas na sensação de que a vitória foi arrancada a ferros e que foi conseguida com grande perda. As coisas estavam a correr tão bem, e a Leigh tinha de vir e estragar-me a festa. Não foi bonito, Leigh. Leigh má. Leigh tortuosa. Sei que a maior parte dos personagens está num melhor lugar do que começou, mas aquilo que se perdeu parece inestimável. E nada justo. O que é provavelmente o objectivo.

Ah, depois disto eu espero, eu rezo, eu torço para que ela ainda escreva mais qualquer coisa neste mundo. Há personagens que ficam com a história muito em aberto. (Não posso falar de todos, mas eu morria se o Sturm tivesse direito a algo, a história dele não parece nada resolvida...) Há pormenores que ela apresenta sobre a mitologia, as capacidades Grisha, certos detalhes sobre o mundo, o mapa ainda tem tantos lugares inexplorados... há um manancial de coisas que ela pode fazer, e eu torço para que venha a fazê-lo. A história dos Grisha não me parece terminada, de certo modo.

Enfim... este livro manteve-me completamente cativada página após página, com um enredo delirante e cheio de reviravoltas, adorando os personagens a cada minuto, e ficando bastante impressionada com a expansão do mundo e da mitologia. A sério, Leigh, por favor, por favor, por favor. Escreve outro livro/série neste mundo. I beg you. Seria fantástico ver algo na sociedade Shu. Ou em Fjerda, mas esses já tiveram um pouco de tempo de antena. Por favor. *faz figas*

Páginas: 560

Editora: Henry Holt & Co. (MacMillan)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Empire of Storms, Sarah J. Maas


Opinião: Céus, quanto tempo levei eu a escrever a opinião deste livro. Acabei-o há cerca de um mês; mas é um favorito, por uma autora favorita, e isso dá-me sempre relutância em opinar. Já sei que vou passar o tempo todo a babar-me para o livro e a dizer bem.

Ainda por cima este é um caso especial: consolidou em mim a ideia que vou gostar sempre de tudo o que sair da pena desta autora, mesmo que não concorde com algumas coisas em particular que ela faça na sua história. Há poucos autores que façam o que a Sarah faz que não me ponham a resmungar por o terem feito. Acho que é isso em particular que faz dela uma autora favorita.

Este livro é marcado por uma viragem na narrativa (que tem vindo a ocorrer lentamente ao longo do últimos dois livros, e aqui se cimenta) e no modo como o mundo de fantasia presente é abordado; e isso é acompanhado pela minha observação do quanto a série evoluiu ao longo do anos. Nem parece o livro em que peguei há pouco mais de quatro anos. O Throne of Glass era bastante mais intimista na abordagem; os personagens eram mais próximos, a narrativa mais emocional. O elenco era pequeno e era muito fácil ligarmo-nos aos protagonistas.

Era o embrião de uma ideia que veio a dar frutos tão ricos. Em comparação, Empire of Storms é bem mais vasto no âmbito, no modo como aborda a narrativa e explora o mundo. É bem mais próximo da fantasia épica mais conhecida, com um elenco mais alargado de personagens (que a autora continua a conseguir caracterizar lindamente e a cativar-nos), um enredo que se divide por vários locais e personagens e converge num final intenso e emocionante, deixando o destino de um ou mais personagens em suspenso.

A evolução da autora é extraordinária; ela consegue gerir um enredo com vários pontos sem deixar cair nenhum (bem, há um particular que está obviamente ausente, mas lá chegaremos), consegue caracterizar um elenco de personagens semi-principais lindamente, fazendo-nos preocupar com cada um e com o que lhes acontece (diria que ainda foi mais divertido acompanhar os "semi" que os principais), o enredo em si cavalga sem soluços, de forma delirante e cativante até ao final, sem parecer que se perdeu ali pelo meio.

Melhor, a escrita da Sarah é absurdamente envolvente. Há algo nela que sempre me encantou e me fez sentir mesmo ligada a ela. Penso que descobri a razão, ou parte dela: a Sarah tem as mesmas referências de fantasia que eu. Há coisas nos livros dela que eu quase consigo ler como homenagem a este ou aquele livros; ela tem noção das histórias mais importantes no género, dos arquétipos e tropes prevalentes, e brinca com isso, fazendo a sua própria coisa. Isso agrada-me imenso.

Falando mais especificamente sobre o livro em si: acho que vou abordá-lo por conjuntos de personagens. As várias linhas de enredo acompanham certos personagens em grupos e será certamente mais fácil para mim comentá-los assim. (Provavelmente vai ter spoilers. Há coisas que eu não vou conseguir comentar sem spoilers. E vai ser muito longo. Temos pena. Neste caso tenho de falar de tudo. Tenho mesmo.)

Sobre a Lysandra e o Aedion: adoráveis. O Aedion é um personagem bastante interessante por si só, e tem uma posição única na vida da Aelin; mas as melhores cenas dele são com a Lysandra. Parece um cachorrinho à volta dela. Há uma cena em especial, em que ele faz um comentário sobre casamento, em que aquilo foi a coisa mais Sangue que eu li fora dum livro da Anne Bishop. (A Anne é uma das tais referências de fantasia que eu e a Sarah temos em comum, disso tenho a certeza.)

A Lysandra, particularmente, é uma personagem fascinante. A força dela não é exactamente em ser uma guerreira - ela é uma sobrevivente. E isso dá-lhe uma garra especial. É discreta, aprecia as suas capacidades, é imaginativa com elas. Há um par de cenas de acção dela que são extraordinárias, de roer as unhas e morrer de medo. A rapariga é tão resistente. E tem fibra. Aquilo que ela concorda fazer no final, no entanto, entristece-me. A Lysandra está a conhecer-se a si própria, a redescobrir-se fora das amarras que tinha, e concorda "apagar-se" para ajudar uma amiga. É nobre, mas triste. Gosto demasiado dela para a ver assim.

A Elide e o Lorcan: a Sarah basicamente deu-nos com eles algo que não sabíamos que precisávamos. A ligação relutante que eles desenvolvem é fascinante, porque são tão diferentes e trabalham tão bem juntos. O Lorcan é caracterizado duma maneira que me agrada: assim é que se escreve um Fae desconfiado, velho, descrente de tudo; é cruel até, mas é lentamente cativado pela inteligência e engenho da Elide.

A Elide é extraordinária. Tem uma baixa auto-estima pelas suas circunstâncias, mas é a prova que há vários tipos de força, e nem todos são físicos. É muito inteligente e observadora, quase retorcida até no modo como pensa. Mas gosto do modo como pensa. Adorava que ela ficasse com o trabalho de mestre espia para a corte da Aelin.

A Manon e o Dorian: outros que nunca pensaria ser possível, mas a modos que fazem sentido juntos, pelo menos nos moldes em que vimos até agora. Uma ligação relutante, formada em moldes não exactamente românticos, mas consigo vê-los a ser um par no futuro. Certamente não um daqueles pares peganhentos como outros que poderia mencionar (já lá vamos), mas creio que podiam funcionar, gosto muito da ideia.

O Dorian, bem, nunca pensei que viesse a gostar tanto dele. No início achava-o irritante por causa da mania que tinha de ser um playboy, mas a sua evolução tem sido extraordinária. O sofrimento que passou, as lutas internas que travou... isso deixou uma marca. Por um lado um Dorian mais sóbrio, mas também um mais seguro no seu poder e suas capacidades. E um Dorian talvez um pouco mais inclinado para a adrenalina e para situações que o fariam recuar no passado.

A Manon, bem, é outra personagem extraordinária. Aliás, todas as personagens femininas da Sarah são magníficas. Mas a Manon é especial. Evoluiu tanto. Desde o início que tem vindo a subverter a autoridade de maneiras discretas, mas aqui tem de dar um passo importante contra o que lhe foi ensinado desde o início, e estou tão orgulhosa dela. Tem umas cenas verdadeiramente poderosas. A amizade dela com o Abraxos e com as Thirteen é linda, de emocionar, muito cativante de acompanhar. (E um aparte: gosto de como a Sarah deixa a Manon confortável no papel de monstro, sem desculpá-la ou cortar-lhe a ferocidade.)

Agora a Aelin e o Rowan: não sei, não consigo vê-los juntos, não consigo compreendê-los juntos. Não fazem propriamente sentido para mim. A evolução deles foi demasiado abrupta: no Heir (livro 3) eram uma ode ao poder da amizade, e gostava de quão platónicos eram; nem tudo tem de ser romance. Mas depois no Queen (livro 4) já eram todos "quero saltar-te para cima", sem nunca haver uma pista de interesse romântico, e agora (livro 5) são aquele casal meloso, sempre a esfregar-se um no outro, e que dá vontade a toda a gente de os mandar encontrar um quarto para resolver o cio. (Spoiler alert: eles encontram um. Mais ou menos. Não consegui levar a cena de todo a sério. É um pouco excessiva.)

Podemos acusar-me de não gostar do Rowan porque estava investida noutro par romântico da Aelin, mas honestamente nem quero saber, por mim ela ficava sozinha que ficava muito bem. E de qualquer modo, eu sei que a Sarah é capaz de fazer uma evolução subtil de um par para outro. Eu entrei no ACoMaF determinada a detestar o Rhys, e vejam que bem que isso correu. (Spoiler alert: nadinha bem. Até estou surpreendida com o quanto a minha opinião sobre ele evoluiu.) Eh. Eu quero gostar do Rowan, mas a Sarah não me ajuda, não me facilita gostar do par Rowan + Aelin.

Coisas que não gosto neles: o esfreganço. Uma coisa é um casal ser carinhoso, outra é parecer estar sempre no cio. E não consigo acreditar neles como um casal equilibrado. O Rowan terá sempre muito mais experiência, e sinto que a presença dele diminui as capacidades extraordinárias da Aelin.

Além disso, a Sarah parece escrevê-los como wish fulfillment, como a Mary Sue das relações: são perfeitos, têm poderes infinitos, são feitos um para o outro, nada os separa. Ela dá uma volta parva para fazer deles mates. E uma volta ainda mais parva para garantir que a Aelin tem longevidade Fae, por isso, alegria! Vão ficar juntos para sempre. Falta conflito. Todas as relações, românticas ou não, são uma constante negociação de sentimentos e pensamentos, de individualidade, de todos os obstáculos que a vida coloca. Não são tudo entregue de bandeja.

Em teoria creio que poderia gostar do Rowan, mas a Sarah falha em caracterizá-lo, dar-lhe POVs para o conhecer melhor. Faz muito melhor trabalho a descrever um Fae numa posição na vida semelhante com o Lorcan. O Rowan não fala por si mesmo no texto, e isso não é bom com a importância que é suposto ter na narrativa. (Até agora, a única virtude que lhe encontrei - ter muitos primos. Eh. Coisa importante para a batalha final.)

Não sei, acho que ela estava a tentar fazer do Rowan um Daemon, mas até ele e a Jaenelle tinham os seus problemas (para já, a longevidade curta dela, sem falar nas suas capacidades extraordinárias, e bem, salvarem o mundo e tal). Creio que o Rowan me soaria melhor como um Saetan, tal como o Aedion é claramente um Lucivar. (Muitas referências às Jóias Negras da Anne Bishop. Para quem ainda me está a ler, e não sabe o que é, shame on you.)

Quanto à Aelin, bem, continuo a gostar muito dela. Não é perfeita, faz asneiras. Mas esforça-se. Sabe-me melhor assim. Há uma clara evolução desde o primeiro livro, e só tenho saudades porque adorava a fedelha irritante que era a Celaena Sardothien. A lata dela! Felizmente, vemos um bocadinho disso numa certa cena. Gosto de como é corajosa e se arrisca, de como cai e volta à luta, de como não desiste. É arrogante, e não diz as coisas às pessoas, o que é perigoso, mas faz o sacrifício mais extraordinário, certificando-se antes que tudo fica alinhado para garantir a vitória aos seus. A Celaena não era capaz de tal presciência e sacrifício.

Quanto ao Chaol... bem, como disse, não me aborreço propriamente que ele e a Aelin não sejam um casal. Mas faz-me imensa confusão que o corte tenha sido abrupto, e que eles nunca tenham posto as coisas em pratos limpos, falado sobre o que os separa. Para pessoas que são supostamente amigas depois de tudo o que aconteceu... houve demasiadas discussões não resolvidas no início do livro anterior para eu acreditar nisso. Acho que na pressa de passar as atenções românticas da Aelin para o Rowan, a Sarah nunca foi capaz de resolver convenientemente estes dois.

O que mais me desaponta no meio disto tudo é que, pronto, ele não aparece de todo neste livro. De um dos três protagonistas no primeiro livro, passa a nota de rodapé neste quinto livro. A sério, ela mete três ou quatro comentários de outros personagens a pensar que ele está no sul, e que esperam que traga uma frota assim e assado, e pronto. Passamos ao assunto seguinte. Que balde de água fria.

Suspeito que haveria cenas com ele no livro na fase de edição, mas era tão longo que foram cortadas. Foi anunciada uma novela com ele, e calculo que as contenha. De certo modo, até percebo. Provavelmente o ritmo do enredo não resultaria tão bem. Mas custa-me ver um personagem importante assim cortado.

Além disso, a Sarah enterrou-se num canto com ele. É basicamente o equivalente do nosso mundo de um personagem com uma deficiência física, e ela não pode curá-lo magicamente sem isso ser bastante ofensivo. Mas se ela não o tentar fazer, a história dele ainda pode vir a dar boas surpresas, acho. Adorava que depois deste livro e dos acontecimentos dele, ele fosse parar a Wendlyn e mostrar que ainda tem muito para dar à história.

Mais coisas que gostei de ver: a louca da Maeve. Um cheirinho de Terrasen, se bem que não o suficiente. O modo como a mitologia expandiu e cresceu outra vez. A "surpresa" que a Elena tinha reservada. O modo como eu já sei (ou bem, tenho uma ideia jeitosa da coisa) como essa surpresa vai ser resolvida. Encontrar velhos conhecidos. As cenas de Pirate's Bay. (Menos uma delas... eh.) As cenas nos pântanos e como levam ao final.

Por falar no final... caramba, a Sarah quer que eu fique sem unhas de tanto as roer. Gosto de como acontece no seguimento das acções anteriores. Gosto de como a Aelin preparou tudo com tanta antecedência, deixando todas as ferramentas necessárias às pessoas que a acompanham. É épico na maneira como se desenrola, assustador, estranhamente credível a dar a ideia que está tudo perdido. É de partir o coração.

A única coisa que não me agrada nele é que deixa a Aelin numa posição de damsel in distress, de precisar de ser salva, e isso não é coisa que eu goste de ver associada a esta personagem extraordinária. Até estava a vê-lo acontecer, previ-o muitas páginas antes. Continuo a não ser fã.

E pronto, chegamos ao fim desta minha opinião muito longa. Bem precisava de pôr tudo isto por escrito. Para o ano vou precisar de me lembrar de tudo. E quão longo ele vai ser...

Portanto, este é um excelente exemplo de como eu posso não gostar nada de um certo ponto de um livro, e ainda assim adorá-lo e à sua autora. É claramente um livro 5 estrelas para mim, há tanto que me agrada e vai de encontro aos meus gostos que não podia deixar de ser. Apenas contém algo também de que não sou fã, e gosto da ideia de poder amar uma coisa e ainda assim apontar-lhe os defeitos, as coisas que menos me agradam. Estou confortável no meu adorar desta série, e por isso posso dizer o que bem me apetece. Agora vou voltar ali para o meu cantinho e sofrer pelo último livro da série durante mais um ano.

Páginas: 704

Editora: Bloomsbury

sábado, 15 de outubro de 2016

O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, Ransom Riggs


Opinião: Ou como escrever um livro com um título absurdamente comprido. Era para nos dificultarem a vida a pronunciá-lo? Ehehe.

Bem. Digamos que estou dividida da forma mais peculiar acerca deste livro. (Brace yourselves, as piadas e o uso abusivo da palavra peculiar are coming.) Por um lado tem um conceito fantástico, e tem uma série de elementos muito bem usados e introduzidos na história; por outro, senti-a muito como um primeiro livro, com uma boa falta de edição, um enredo desarticulado, uma certa falta de boa caracterização dos personagens; em suma, não foi um livro que me tenha apaixonado, apesar de lhe reconhecer alguns méritos.

Para já a sinopse e tudo o que se possa ter ouvido falar acerca dele não dão uma boa ideia da coisa. Dão a ideia de algo mais assustador e atmosférico do que realmente é. E dão a ideia que o peso da história está na casa da Senhora Peregrine e nas crianças peculiares, quando isso não é exactamente verdade; a primeira parte do livro prende-se mais com o Jacob debater-se com as histórias fantásticas que o avô lhe contava, e com uma situação traumática que o faz duvidar da sua sanidade.

Oh, e eu não me queixo nada desta situação de "duvidar da sanidade". Aliás, achei-a a parte mais interessante do livro, e a mais assustadora, porque essencialmente o Jacob quer acreditar que não está doido, mas as coisas estranhas peculiares que viu, bem, não podem ser explicadas. E se não podem ser explicadas, a racionalização é que estava a ver coisas por causa do stress duma situação traumática. E portanto esta dualidade é fascinante de explorar. A frustração, o luto, a tristeza e a raiva que o Jacob sente por se encontrar nesta situação.

O meu problema com esta parte do livro tem mais a ver com a personalidade do Jacob para além do seu questionar de sanidade. Não me parece que a caracterização dele seja muito boa; a sua narração alterna a espaços entre soar demasiado adulto para a idade que tem, demasiado infantil para a idade que tem, e soar exactamente como a idade que tem. E não é que não se possa soar mais ou menos velho do que o que somos; é que as transições são abruptas; e no caso em que o Jacob se está a portar de forma infantil, é-o duma forma em que tem consciência que se está a portar como um fedelho, mas não parece importar-se com os problemas que causa aos outros com o seu comportamento.

E depois, chega a segunda parte do livro, e a transição também me parece demasiado abrupta. Passamos de uma narrativa meio assustadora e atmosférica para uma aventura que... perde tracção? Não chega a ganhá-la? O Jacob encontra a casa das crianças peculiares... e caramba, o conceito em si é fantástico. Miúdos com poderes estranhos peculiares, uma forma bizarra de viajar no tempo que é fascinante se considerarmos a sua extensão e consequências - e esta parte até me soou bem desenvolvida pelo autor. Adorei a ideia dos vórtexes, de parar no tempo para criar um refúgio, destes miúdos que ficam congeladas nos seus corpos, meio adultas, meio crianças.

E ainda assim, esta parte pareceu-me bastante subdesenvolvida. Quase como que se o peculiar fosse usado e introduzido só por ser estranho, e não como base para desenvolver uma história a partir disso. O uso das fotos antigas é muito bom, muito interessante, e acho fantástico como há por aí tantas fotos verdadeiras antigas com algum tipo de manipulação (Photoshop quando ainda não havia Photoshop).

E estas fotos servem como base à história, e como base para criar todo o tipo de miúdos com poderes e capacidades estranhas. O problema é... não são nada para além disso. Não têm personalidade, não são desenvolvidos. Acho que o livro teria sido infinitamente mais interessante se o elemento arrepiante das suas capacidades tivesse sido explorado, se tivéssemos podido ver o que é viver com elas, se os miúdos fossem humanizados, e se se pudesse ver que bênção e maldição é viver com o que são, e nas condições em que vivem (nos vórtexes).

E depois para os capítulos finais do livro, temos finalmente acção, mas acaba por não parecer propriamente bem coordenada com o tom do resto do livro. As ameaças que permaneceram um borrão durante o resto do livro tomam forma, e bem, não me pareceram propriamente ameaçadoras. Apesar de tudo, as suas acções deixam os personagens num lugar interessante, que me deixa curiosa por saber mais. A parte menos boa deste final é que parece que a história foi cortada com uma tesoura, simplesmente acaba ali e pronto, o resto é o segundo livro. É um final aberto, mas não daqueles finais que tenha chegado a fechar alguma coisa sequer, e por isso não parece sequer um final.

Ah... chegando ao final dou-me conta que apontei mais defeitos do que virtudes. E não é que tenha desgostado do livro; manteve-me entretida durante a leitura, e encontro-lhe bastantes pontos de interesse para ter vontade de pegar no segundo livro no futuro. Mas para um livro que tem tanto destaque e tanta gente a gostar dele, esperava bem melhor.

Título original: Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children (2011)

Páginas: 344

Editora: Contraponto (a defunta Contraponto, que pelos vistos agora foi reavivada pela editora-mãe Bertrand, mas não tem aparentemente muito a ver com a Contraponto original)

Tradução: isso sim, é um mistério, os editores deste livro meteram-lhe a ficha técnica toda, editor, revisão, design e afins, mas tradutor nem vê-lo, é para nós adivinharmos? Ou há alguma foto peculiar do tradutor no meio daquilo e nós temos de descobrir qual é?

terça-feira, 11 de outubro de 2016

9 de Novembro, Colleen Hoover


Opinião: É assim, isto não pode ser. Eu passei a minha última opinião sobre um livro da Colleen a malhar nele e a queixar-me dos "truques" e "bengalas" que ela usa quando escreve. E depois vou ler outro livro dela, e até tem essas coisas de que me queixei. E acabo a gostar. Muito. E relutantemente. Eu sei. Eu também estou a abanar a minha cabeça face à minha inconstância.

Pronto, vamos focar-nos primeiro nas coisas ligeiramente irritantes (irritantes neste momento porque começa a parecer que ela não sabe escrever um livro sem elas) que ela passa a vida a fazer. A premissa louca. Fui a primeira a torcer o nariz a ela, céptica, porque já demasiados filmes e livros fizeram coisas parecidas. Tanto na parte de "reencontro ano após ano" como "livro dentro de livro".

E mesmo assim, resulta. Sei lá eu como, que reviro os olhos a instalove e conexões instantâneas e gente a suspirar uma pela outra após aproximadamente cinco minutos de tempo em conjunto. Mas a maneira como a Colleen escreve a situação em que os personagens principais se conhecem e aproximam, e combinam voltar a encontrar no futuro... bem, encheu-me as medidas. Intelectualmente, depois de ler, sei que a Fallon e o Ben passaram demasiado pouco tempo juntos para ser real.

Contudo, no livro, soou real. A Colleen escreve emoção reconhecidamente como as melhores, e conseguiu que a ligação entre os dois fosse credível, que eu pudesse acreditar que as coisas se passassem assim e torcesse pelos personagens. Dizem as coisas certas, e a emoção está lá.

Bem, e quanto à típica "reviravolta que mostra que os personagens têm uma ligação escondida"? Errr não foi assim tão difícil de adivinhar. A história não é assim tão complexa, e quando já sabemos que a Colleen faz *sempre* esse tipo de coisas... estranhamente, não me incomodou. Deu uma dimensão diferente à coisa, até mais complexidade à história. Estava curiosa para ver a história por trás dessa "ligação". Ajuda termos o ponto de vista dos dois personagens, que mostra que são genuínos na ligação que vemos desenvolver, mesmo que um deles esconda coisas.

Quanto à "protagonista coitadinha (e inexperiente)": entre as personagens femininas da Colleen, não é a pior. Claro que preferia que ela parasse de as escrever. Mas a Fallon faz algum sentido como personagem. Tendo passado pelo que ela passou, nas circunstâncias que eram, as suas inseguranças fazem muito sentido, ainda que sejam algo exasperantes de ler. Mas o ser humano é sempre muito irracional no que toca a inseguranças, por isso não lhe posso levar a mal.

E a modos que gosto do percurso dela. O modo como ganha confiança e evolui ao longo da narrativa. É um pouco frágil que isso aconteça em parte por causa de um rapaz, mas as inseguranças dela têm a ver com beleza exterior, e por isso ela precisava mesmo que alguém beijasse o chão que ela pisa durante cinco minutos para ver que sim, é uma pessoa fantástica, que se lixem as cicatrizes.

E de qualquer modo, como ela não vê o Ben durante o ano é mais como se os momentos com ele fossem momentos para lhe alimentar a confiança, que depois assentam durante o ano e tomam raízes, levando-a a expor-se mais e fazer coisas que a desafiem.

E enfim. Claro que achei que era uma parvoíce eles concordarem em só se verem uma vez por ano durante cinco anos, e não se procurarem nem manterem contacto. No início faz algo sentido, e até explica a intensidade da ligação. Queremos o que não podemos ter. Mas depois, quando eles se começam a envolver mesmo a fundo, é mais difícil de justificar a separação e continuar a ter os encontros ano após ano. Algumas separações são mais dramáticas por causa disso. Uma delas roça o ridículo na racionalização que um dos personagens faz, mas as outras fazem ao menos sentido dentro das circunstâncias.

Quanto ao Ben... é um pouco complicado. Sinto-me manipulada. É claro que eu sabia que ele andava a esconder algo desde o início, e não era bonito. E sabendo da verdade, no final do livro, algumas acções dele são questionáveis. Mas pronto, ajuda muito que tenhamos o POV dele. Dá para perceber que é genuíno no interesse pela Fallon, ainda que o cruzamento dos seus caminhos não tenha sido acidental. E enfim, ela escreve o Ben demasiado perfeito. É um pouco difícil resistir a tanta dedicação quando ele diz as coisas certas.

O enredo de um livro dentro de um livro é certamente interessante, e aqui ajuda a entregar a reviravolta da coisa. Ou as duas reviravoltas, diria. Na maior parte, a Colleen usa isso e o facto de o Ben ser escritor para brincar um bocadinho com os clichés de romances (irónico, tendo em conta que ela se apoia fortemente nos seus próprios clichés), e é engraçado, mas às vezes é algo indulgente com as piadas internas. Nem sempre tem piada, Colleen. Às vezes a análise que fazes é demasiado, ou demasiado pouco, autoconsciente.

Pontos bónus (ou não, porque não tenho saudades nenhumas), os protagonistas de Amor Cruel aparecem, felizes da vida, claro. O Ian que era amigo do Miles? É o irmão mais velho do Ben.

E pronto. Esta é a história de como mesmo estando ciente das fragilidades e clichés duma autora, ela ainda assim me dá a volta e faz gostar do seu livro. Como disse, isto foi um percurso percorrido muito relutantemente. Não se pode confiar em mim quanto a esta autora. Que diabos, eu não posso confiar nela. De certeza que o próximo me vai dar cabo da paciência. Estou de respiração suspensa, só da antecipação. (Ou não.)

Título original: November 9 (2015)

Páginas: 320

Editora: Topseller

Tradução: Dinis Pires

sábado, 8 de outubro de 2016

Curtas BD: Batman, Batman e mais Batman

Isto já foi opinado aqui no blog, portanto não tenho muito a acrescentar. Acho que posso dizer que em segunda leitura não gosto particularmente do tom militarista e violento da coisa, porque às vezes parece que a narrativa o é só pelo propósito de o ser, e não porque isso serve a história que está a ser contada. Há também um desfasamentozito em relação a como vejo o Batman e como o autor vê o Batman.

Acho interessante a relação de dependência que ele estabelece, e como, praticamente sem pontos de apoio, o Bruce degenera; mas ao mesmo tempo, não sei se acredito que as coisas iriam parar a esse ponto. (A história esquece-se de dar destaque a uma das relações mais importantes da vida do Bruce, a com o Alfred. Acho que seria o apoio certo e suficiente para o manter minimamente ancorado.)

Reitero o destaque dado ao reaparecimento dos vilões e da sua relação simbiótica com o Batman, ao Super-Homem e o seu papel neste mundo, e ao modo como os media funcionam neste mundo. Muito adequado aos dias de hoje.

Continuo a destacar a Carrie, que sem treino e inspirada pelo que o Batman significou outrora, se mete num caminho perigoso só para poder ajudar como for possível. Podemos ter um spin-off da Carrie? E destaque novamente para a coloração. Não sabia que gostava tanto de ver trabalho com aguarela, mas vale mesmo a pena.

Primeira lição do dia. Caramba. O Batman dantes era hifenado. Como "Bat-Man". "O Bat-Man faz isto! O Bat-Man é aquilo!". Não sei porquê, está a dar-me vontade de rir.

Ok, isto é uma antologia, portanto não vou comentar todas as histórias. Mas olhando para as mais antigas, ao longo dos anos, acho interessante como reflectem um bocadinho a época em que foram escritas. Como a sua complexidade aumenta, e como reflectem o modo de escrita no momento. Como eram mais simples que hoje, e ainda assim contavam uma história satisfatória.

Dentro destas histórias "mais antigas" (vou definir o limite até aos anos 70), destaco "O Caso da Empresa Química" (por ser a primeira história de sempre), "O Furo do Século" (pela sillyness que é ter o Batman seguido por uma repórter, e por as mulheres no mundo do Batman não serem nada parvas), e "O Segredo das Sepulturas Vazias" (pelo ar de mistério, quase thriller, e pelo conceito).

Das mais recentes acabo por destacar as duas que há, "Crise de Identidade" (pelo questionar da realidade que faz, obrigando Bruce Wayne a perguntar-se se está louco), e "Gente Bonita" (pela arte do J.H. Willams III, principalmente, porque adoro o planeamento de páginas que faz; mas também pelo conceito).

Batman Noir, Brian Azzarello, Eduardo Risso
Isto é estranho e cativante ao mesmo tempo. Não é comum ver/ler um livro em preto e branco, assim tão em preto e branco. O estilo do Eduardo Risso trabalha as sombras duma forma muito interessante, e o resultado aqui é um livro escuro e com atmosfera. É quase desconcertante viver num mundo de sombras por um bocado, às vezes não sabendo como interpretar o que temos à frente.

Este livro também é a modos que uma antologia reunindo colaborações entre estes dois artistas trabalhando no Batman. A primeira história, "Cicatrizes", é muito curta, quase incompleta. Creio que a ideia era explorar o Victor Zsasz, mas não me parece que seja bem explorada. O ponto alto é a parte final.

A segunda, "Cidade Destroçada", é talvez um pouco comprida demais. Dá voltas e voltas talvez desnecessárias, e poderia talvez ter um ritmo mais rápido. Também não sou a maior fã deste tom "detective numa cidade desgraçada, perdido numa investigação cada vez mais complexa e que mostra a fundo a depravação humana, sempre perseguindo e perseguido pela femme fatale". Bem, como o descrevi talvez até fosse interessante. Mas acho um pouco cansativo este tom noir à lá Sin City (estou a pensar na narrativa do Marv especialmente). Acho que arrasta a narrativa em vez de facilitar a maneira como é contada.

Mas por outro lado, gosto da atmosfera da história. A arte é particularmente adequada a ela. As reviravoltas são bastante interessantes, especialmente a última. Acho que o Batman se perdeu um bocadinho ali no meio daquilo tudo, mas até que faz sentido, devido à sua identificação com uma das vítimas. Acho que isso o cegou para a verdade, o que é curioso de ver. Também foi essa identificação que o fez finalmente chegar à raiz das coisas.

A terceira e última história é claramente a melhor. "Noite da Vingança" perde o trocadilho que o título original tem ("Knight of Vengeance"), mas isso não impede que seja absolutamente fascinante. Postula um mundo alternativo em que o momento alterador de vidas que afectou os Wayne matou nesta versão o Bruce. Acompanhamos então Thomas Wayne, que de dia (e noite) é dono de um casino, com... o Pinguim como parceiro de negócios.

O outro lado da moeda na sua vida é preenchido, claro, pelo Batman. O que é interessante aqui é ver como uma pequena mudança no evento originador do enredo muda tanto, mas mantém tantos elementos nossos conhecidos. O Gordon tem uma vida completamente solitária, chefe de segurança de Gotham (nesta versão não há polícia em Gotham, só segurança privada). Não teve filhos.

No entanto, aparece uma Oráculo, e faz sentido que seja esta pessoa. Está posicionada pela ter o tipo de relação com o Gordon e o Thomas que a Barbara tem com o pai e o Bruce na continuidade normal. O melhor, no entanto? O Joker. Uma pequena reviravolta que dá sentido a toda a história, e à mudança no modo como a tragédia original na vida dos Waynes se deu. Brilhante. E com um fim... bem, com peso, atmosfera, carácter. Muito bom, tremendamente interessante. Só por esta história vale a pena o livro todo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Meg Cabot: Retrato do Meu Coração, Awaken


Título original: Portrait of My Heart (1999) / Awaken (2013)

Páginas: 400 / 352

Editora: Quinta Essência / Point (Scholastic)

Tradução: Margarida Malcato / -

O primeiro livro deste par que vou opinar é um livro do início da carreira da Meg Cabot. Os primeiros livros que ela publicou eram romances históricos sob o pseudónimo de Patricia Cabot; e entre aqueles que li, posso dizer que são produtos do seu tempo, e por isso dou-lhes o devido desconto; mas também posso dizer que ao longo do tempo têm vindo a ser cada vez mais divertidos de ler para mim.

Retrato do Meu Coração conta a história de dois protagonistas. A Maggie Herbert tem 17 anos quando o livro começa, é travessa, pouco inclinada para seguir o que a sociedade espera dela. Adora pintar e quer ser uma artista. E adora arreliar o Jeremy, duque de Rawlings (o Rosa Selvagem lida com o tio dele e a Pegeen). Já o Jeremy detesta o papel que terá de assumir, odeia a ideia de se aproximarem dele só por ser duque, e faz por ser expulso de todas as escolas e mais alguma.

Quando os dois colidem, é explosivo. O Jeremy encanta-se pela figura tão diferente que encontra na Maggie, e ela... bem, também. Uma indiscrição em que são apanhados pelo tio faz com que o Jeremy acabe a ir para a cavalaria, e a Maggie para uma escola de arte em Paris, separando-os. Cinco anos mais tarde, os dois reencontram-se, e apesar do tanto que mudou... as faíscas estão lá.

Eu acho que digo isto sempre, mas a cada romance histórico que leio da Meg, cada um é mais divertido que o outro. A sério, há partes deste livro que são hilariantes. A autora escreve com um humor fabuloso. O tom caricatural e sarcástico que dá a algumas passagens... e o humor que imprime a certos diálogos... uau.

Adoro, por exemplo, que o Jeremy queira casar com a Maggie, mas o tio replicar que não pode ser, ele não a merece; ou que a Pegeen esteja em trabalho de parto mas ainda assim a dar conselhos ao sobrinho com uma naturalidade estupenda (e o marido a correr a casa à procura dela); ou a cena final, em que o Edward apanha a Maggie e o Jerry juntos, e diz que assim não pode ser, têm de casar, e eles dizem que sim, claro que sim, com a maior das naturalidades. (Como se não tivessem sido apanhados num momento escandaloso.)

Gosto bastante da Maggie, pouco inclinada para aceitar o que a sociedade espera dela, com vontade de trilhar o seu próprio caminho. Gosto que não desista do seu sonho e na segunda parte esteja a trabalhar para viver e continuar a fazer o que adora. Gosto de vê-la e ao Jeremy juntos, pelas faíscas, pela química, pela maneira como funcionam bem juntos e porque ele desde o início que quer casar com ela, sem hesitações.

O que tenho a apontar aqui de negativo é o tipo de coisa que tenho a sensação que era mais prevalente nos romances históricos desta altura. Que é a forma como o Jeremy se comporta, demasiado excessivo em relação à Maggie, um tudo-nada demasiado não-consensual? A maneira como as cenas entre eles se desenrolam são todas da mesma maneira, ela nega, não quer, mas ele continua, e eventualmente a moça derrete-se nos braços dele, e o consentimento é assumido com esse derretimento.

Ora isto até podia ser considerado romântico, sei lá, até aos anos 90, mas hoje em dia consentimento é uma coisa muito importante num par romântico, e este tipo de comportamento já não se vê nos romances, particularmente os históricos. E as minhas sensibilidades de século XXI certamente torcem-lhe o nariz. Tolerei, porque tenho noção de quando é que o livro foi publicado originalmente, e como o resto foi demasiado divertido, isto acaba por ser apenas um buraquinho na estrada. Mas ficou notado.

Passemos ao Awaken, com muita relutância minha. Já tinha dito na opinião aos livros anteriores da trilogia que aquilo é uma confusão pegada. Oh, se é. A sério, é o enredo que não cola nem descola em dois terços do livro, avançando a passo de caracol. Depois, faz tanto sentido a evolução da narrativa como ver tinta secar. E por fim, se a Pierce e o John são supostamente românticos, é melhor eu virar freira porque não aturava as coisas que ela atura. (E de certeza que não fazia as coisas embaraçosas que ela faz. Ou pensa.)

Mas a sério. Não percebo como é que eles chegam à conclusão que o John "morreu", nem como descobrem magicamente que o Thanatos tem o John, nem como têm a inspiração divina de ir a um lugar remoto no meio duma tempestade que tem um bando de adolescentes loucos a festejar o mau tempo. Nem como têm a sorte imensa de o Thanatos estar a possuir um dos miúdos, que eles até conhecem, e surpresa! conseguem exorcizá~lo, sem o puto morrer nem nada, mas não é claro exactamente quando isso acontece.

Não percebo como é que esta gente passa o tempo todo a falar do "desequilíbrio" que faz com que as Fúrias os persigam, sem lhes ocorrer nas cabecinhas ocas que o mesmo tem a ver com terem trazido o Alex de volta no livro anterior, algo que eles na altura sabiam que estavam a fazer de errado de acordo com as "regras"! UGHHH detesto quando tenho de lidar com personagens burros e um enredo burro só porque o autor é preguiçoso demais para escrever algo mais inteligente. Alguém me mate.

Para cúmulo, o enredo está pilhado de "coincidências", coisas que acontecem só porque são convenientes, e facilitam a vida aos personagens, para garantir que acaba tudo num lindo final feliz bonitinho em que toda a gente fica emparejada e feliz para sempre. Raios, eu sou pelos finais felizes, mas por aqueles pelos quais se teve de batalhar, não pelos entregues de bandeja.

A única coisa boa disto é que finalmente os pais da Pierce conhecem o John e ficam a saber de toda a coisa sobrenatural. A reacção deles é fantástica, especialmente o pai dela, que começa logo a pensar em lucrar com os poderes do John. Ah, e o tio Chris é fantástico, adorável, um doce de pessoa, incrivelmente leal. O melhor personagem deles todos. Não merece a família que tem.

E detesto com todas as minhas forças a maneira como a Pierce e o John são um... casal. É suposto eu crer neles quando se apagam um ao outro, vivendo para o outro? A Pierce depois de se meter nesta coisa de rainha do Underworld não tem interesses próprios. Não mostra vontade de voltar à escola, ou de fazer a sua própria coisa. Fala em ter um bebé, que é a coisa mais estranha de sair da boca duma miúda de 18 anos que nem parece ter a maturidade para se virar sozinha a fazer certas coisas.

O John em momentos de perigo fala com ela do género "fica aí quietinha, não faças nada, deixa os homens trabalhar, fica ali protegida". Raios. Eu sei que é suposto ele ter nascido no século XIX... mas também passou este tempo todo a ser exposto à evolução do mundo e da sociedade. Não faz sentido ser tão retrógado.

E sei lá, não sinto nenhuma química entre eles. Não há nada que me faça acreditar neles como casal. É tudo tão mecânico, e ao mesmo tempo lamechas e totó. Não sei explicar... só sei que todo o livro, toda a trilogia, me cai mal. Não é que tenha passado um mau bocado a ler... mas também não tinha acontecido isso com o Crepúsculo. E a verdade é que não sou nem posso ficar cega aos enormes defeitos desta série. Não me voltes a fazer uma destas, Meg.