quarta-feira, 29 de março de 2017

Caraval, Stephanie Garber


Opinião: Ok, pensei muito nisto, e encontrei uma descrição adequada: ler este livro é como comer uma bola de berlim à espera que nos rebentem quilos de creme na boca... mas alguém se enganou e veio-nos parar à mão uma bola sem creme. (E eu quando era mais nova adorava bolas sem creme. Elas têm definitivamente o seu lugar. Não é nas mãos duma pessoa que esperava creme, contudo.)

O problema é, eu não odiei esta leitura. Pode-se dizer que até me entreti a ler, em grande parte. Mas também é ela que em retrospectiva me arranca um grande "meh". Indiferença, mesmo. Esperava mais dum livro com as referências que tem, com o tipo de história que tem, com aquilo que se propunha fazer. E acho que tudo tem a ver com as fraquezas da autora como escritora.

Vejamos: Caraval passa-se num mundo de fantasia (pelo menos, não é o nosso), e são dados alguns detalhes para "ambientar". Excepto que esses detalhes não têm consequência nenhuma mal começa o jogo de Caraval. O mundo de fantasia como cenário não interessa para nada, e honestamente preferia que quantos menos detalhes tivessem sido revelados, melhor. Podia até passar-se no nosso mundo, noutra época, que era igual ao litro. Pista: se se ambienta a história noutro mundo e o parco que é revelado não se revela importante de algum modo para a narrativa, é provavelmente péssima ideia criar um novo mundo de raiz só porque sim.

Em adição: oh raio, mas que construção de enredo é esta? Não tem rumo nenhum. A protagonista, quando no meio do enredo do jogo, passa o tempo todo a correr dum lado para o outro, supostamente à procura de pistas, mas estas caem-lhe todas no colo sem esforço. A evolução do enredo é maioritariamente vazia: há muito movimentar dum lado para o outro, para dar a sensação de evolução, mas pouco realmente contribui para se chegar ao objectivo da narrativa.

A sério, eu gostava mesmo muito que alguém, desde a autora, passando pela agente e terminando na editora, mostrasse que realmente sabe o que é um livro e como é que funciona. Com este exemplo, nenhuma me provou isso.

E pronto, isto é ainda mais frustrante porque o livro entretém, cativa até; só que depois uma pessoa medita no que leu e é tudo tão vazio.

Coisas que eu gostei de ler: em teoria, o conceito de Caraval é fascinante. O jogo montado por uma figura misteriosa, Legend, numa ilha e num cenário cheios de magia. As regras aleatórias com que tudo funciona, e a magia que tudo permeia. Até o modo como essa magia funciona é intrigante. Gostava de ver melhor explorado.

A protagonista, Scarlet, quando não está a ser irritante. É que eu gosto de ler sobre personagens corajosas, à procura de aventura; mas também aprecio personagens que só querem ficar no seu cantinho e que têm de ser arrastadas com unhas e dentes para a aventura. Digamos que compreendi como a Scarlet funcionava, porque é que sentia que tinha de ser obediente ao pai e porque achava que o casamento combinado ia salvá-la e à irmã.

Até certo ponto, a relação entre irmãs também é interessante. Percebo como elas funcionam em conjunto e como serem diferentes guia os seus comportamentos.

Voltemos às minhas queixas, já que não me ocorre de momento mais nada de positivo para dizer. Falemos no Julian e no interesse amoroso que a Scarlet desenvolve por ele. Ridículo. Eles estão juntos um par de dias e de repente já estão a jurar amor eterno? (Especialmente quando a Scarlet passa o resto da narrativa a questionar os motivos dele?) Er, pois, não. A minha suspensão de descrença não é assim tão boa. (A cena de doarem um dia das suas vidas é no entanto fascinante.)

E pronto, o fim. Todo o fim. Grande, grande facepalm. O fim é mais um exemplo do vazio que falava ali em cima no que toca ao enredo. Porquê? Porque é que era preciso isto? É que tem duas coisas de errado:

Um) se a minha irmã me fizesse o que a Tella fez à Scarlet, tendo em conta a extensão do engano e da traição envolvidos... podem querer que eu a esganava. E não estaria errada.

Dois) aumentar a fasquia fazendo duas coisas muito irreversíveis só para as desfazer meia dúzia de páginas depois, "porque é magia!", er, pois, não. Tão errado, céus. Já bem bastou a sensação de engano e traição relacionada com a reviravolta do enredo; também tinha de provocar uma sensação de engano e traição fazendo-nos passar pelo inferno emocional que a Scarlet passa, só para negar isso a seguir? Não se faz. Não é um exemplo de boa escrita. É péssima escrita, e chama-se deus ex machina. Só resulta muito raramente. Este não é um desses casos.

Em termos de escrita, a autora tem uma coisa... é demasiado "florida", e não o digo necessariamente no sentido Laini Taylor. Essa é cativante. Aqui é mais desnecessariamente ornamentada. Há metáforas giras e tal, mas a maior parte não contribui nada para a história e não envolve o leitor. A única parte realmente interessante para mim é quando a autora descreve a Scarlet ter uma espécie de sinestesia emocional: vê as emoções como cores. Gostava de ver mais disso.

E no fim de contas, eu até provavelmente vou ler o segundo livro. Fiquei intrigada e curiosa e envolvida o suficiente, e não detestei o livro, que seria a principal razão para me recusar a continuar a ler. Mas chego à conclusão que também tinha passado muito bem sem lê-lo. Podia dedicar o meu tempo a coisas mais valorosas. (E mais bem escritas e trabalhadas.)

P.S.: a edição gráfica do livro, todavia, é irrepreensível. Linda à enésima. O pessoal envolvido esforçou-se muito, e merece uma recompensa.

Páginas: 416

Editora: Flatiron Books (MacMillan)

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